Concerto no Palácio, novo espaço musical

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” – Ilustrada, em 11 de junho de 1983)

 

Há 10 anos, quando a Sinfônica Estadual estava sendo reorganizada, havia até um certo atrativo em ouvir a orquestra no seu começo: em meio aos problemas de um conjunto que não raro tartamudeava em torno de Beethoven ou Mozart, não era difícil ouvirem-se aplausos entre os movimentos de uma mesma sinfonia. Na época, o governador e seus secretários, por razões que desconheço, iam aos concertos. Era da comitiva oficial que partiam os aplausos inoportunos antes que as obras concluíssem. Hoje já não é mais assim: na apresentação que a Filarmônica de Hamburgo fez no Palácio Bandeirantes não houve palmas fora do tempo.

Verdade que o concerto, indiscutivelmente melhor que o conjunto alemão deu em São Paulo após a sua apresentação no Municipal, não contou com todo o primeiro escalão do governo. Com a exceção do secretário Cunha Lima, de Comunicações, o secretário particular do governador, Ricardo Montoro, foram poucos os políticos que estiveram no primeiro concerto aberto ao público, no auditório Bandeirantes. É verdade também que o espetáculo foi o primeiro de uma série promovida pelas secretarias da Comunicação e da Cultura. Mas, então, daqui para a frente tudo será diferente?

É possível. Segundo o secretário Cunha Lima, de agora em diante o auditório do Palácio será ocupado com espetáculos não apenas musicais. É intenção do governo abrir o grande espaço dos Bandeirantes a grupos teatrais: brevemente, conforme me disse, haverá a encenação de uma peça de Chico Buarque de Holanda. Depois disso, pode-se imaginar o resto. Mas pela colaboração possível que se formou entre o Mozarteum e o Bandeirantes, pode-se adivinhar que o precedente talvez resulte na abertura de um espaço até então ignorado por São Paulo.

 

Outros tempos

 

O auditório do Palácio dos Bandeirantes, na verdade, não é nenhum primor em matéria de acústica. Sobram reverberações quando ocupado por uma sinfônica. Na execução da sinfonia nº 41 em dó Maior, de Mozart, ouvi mais o fagote do que normalmente concedem as orquestras alemãs. Na sinfonia nº 1, em dó menor, de Brahms, a Filarmônica de Hamburgo parece ter exposto mais os metais do que seus arcos. Mas tanto em um quanto em outro caso, as deformações provocadas pelo ambiente apenas serviram para demonstrar que a orquestra não deu o que podia na sua estreia no Municipal. Na saliência de um ou outro instrumento, a orquestra alemã, dirigida pelo italiano Aldo Ceccato deu mostras de um virtuosismo em tudo satisfatório. Continuo achando que no naipe das madeiras (a começar pelos clarinetes) a Filarmônica de Hamburgo tem seu ponto de desequilíbrio. Mas seus arcos são, realmente, excepcionais. E foi emocionante ouvir tanto o Mozart quanto o Brahms que o conjunto apresentou no auditório. Isto é – aos que foram ao Bandeirantes atraídos pela bilheteria de 10 mil cruzeiros –, preços bem menores dos da apresentação da Sinfônica no Municipal e que reverteram para o Fundo de Solidariedade do Palácio; além dos estudantes de algumas orquestras juvenis, aos quais o Mozarteum facultou o ingresso no auditório – ficou a demonstração de que talvez os tempos e os costumes sejam outros.

Menos mau, é claro. Conta-se, por exemplo, que um ex-presidente, quando governador de São Paulo (esse presidente seria um dos muitos que renunciariam em meio a seu mandato; no Brasil é assim), ao assistir a um ensaio da Sinfônica do Municipal reclamou que o timpanista não tocava o tempo todo; ao que se informa, quis mandar o funcionário embora por “negligência”. Não sei das preferências do governador Franco Montoro. Mas se alguns de seus secretários querem ocupar o imenso auditório do Bandeirantes expulsando-lhe as moscas – já é muito bom. A música ou instituições como Mozarteum e o Cultura Artística podem, quem sabe, reformular alguns de seus programas. E os presidentes de outros países não se sentirão ridículos quando falarem da cultura brasileira se por acaso visitarem São Paulo (como aconteceu há pouco com o presidente mexicano que ousou citar Mário de Andrade em seu discurso no Palácio do Planalto). Mas essa é outra história.