Música contemporânea em debate

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” – Música/crítica – em 2 de dezembro de 1983)

 

GRUPO NEXUS – Recital de música contemporânea. Programa: La Furia – Volker Blumenthaler; Capriccio; Heinrich Suttermeister; Música para piano e percussão: Martin Redel; Retrato: Gilberto Mendes; Variações: Hans Eisler. Solistas: Beatriz Roman (piano); Paulo Bosísio (violino), Jed Barahal (violoncelo), Guenther Pusch (clarinete), Marco Antonio Cancello (flauta) e Carlos Tarcha (percussão). Auditório do Masp, dia 30.

 

“Nexus” é o nome do mais novo grupo de música contemporânea de São Paulo. Não se trata de nenhuma novidade; conjuntos do tipo existem no Estado e no Brasil. Mas pela qualidade individual dos seus integrantes e pela diversidade do instrumental “Nexus” pode ter vida regular além do previsto. Se a isso se acrescentar que a estreia do grupo foi patrocinada pelo Banco Francês Brasileiro e pela Giroflex, pode-se adivinhar o resto.
Tudo bem: se a música contemporânea tem apoio de alguns empresários, toda a música de concerto pode também se sustentar através da iniciativa privada. É uma hipótese. Mas há a concessão: até alguns anos a música contemporânea era rigorosamente anti-tonal; dos compositores que “Nexus” mostrou, porém, apenas Hans Eisler de um lado e Gilberto Mendes de outro parecem apresentar alguma relação com este velho passado que certamente não terá mais adeptos preciosos e rápidos no Brasil daqui por diante: vivemos à reboque das vanguardas europeias há muitos anos. Não custa enveredar por ela novamente.
Alguns compositores apresentados por “Nexus” induzem a pensar assim e exatamente pela facilidade. Não sei da procedência dos alemães Volker Blumenthaler ou de Henrich Suttermeister; devem ser cotados. Deles o conjunto de São Paulo tocou “La Furia” e “Capriccio”, respectivamente. Agradaram em cheio. O violinista Paulo Bosísio, o percussionista Carlos Tarcha e o clarinetista Guenther Pusch são instrumentistas tecnicamente irrepreensíveis; enfrentaram partituras difíceis e se saíram muito bem. Mas por estes juízos apressados que caracterizam também os críticos, fico na expectativa de que se tais compositores possam vir a se tornar modelos para os brasileiros, as perspectivas são de que o academismo talvez retorne – sem os rigores do antigo (a meu gosto mais bem estruturado).
É um primeiro juízo. Posso estar enganado. Por exemplo e por antinomínia: Martin Redel não esconde suas origens impressionistas, sua relação, ainda que numa visão contemporânea, com alguns franceses; “Retrato” de Gilberto Mendes igualmente dispensa as preocupações antitonais para ser uma espécie de variação a dois com digressões sobre a musicalidade atual sem compromissos. Ou seja, agradam também por suas relações com a tonalidade. Mas são muito melhor estruturados. Não parece que dispensaram as aulas de conservatório. Outro que igualmente mostra uma feição importante é Hans Eisler (que, aliás, dispensaria qualquer comentário do tipo). Mas “Nexus” está dando uma contribuição fundamental: o debate sobre música contemporânea tem de ser retomado. “Nexus” parece querer se propor exatamente a isso. É o que importa.