Música nova e humanismo

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” – Música/crítica – em 9 de novembro de 1983)

 

CONCERTO DE MÚSICA NOVA – Programa: H. J. Koellreuter – “Música 1941”; Wilhelm Zobl: “Isolationen”; Luca Lombardi “Avanti Popolo Alla Riscossa”; Gilberto Mendes; “Saudades do Parque Balneário Hotel”. Sérgio Ortega “Cantos del capitán”. Com Beatriz Roman e Dpelcia Pereira Coelho (piano); Roberto Sion, (sax) e Heloisa Castelar Petri (canto). Instituto Goethe.

 

É possível que no futuro, alguns músicos que segunda-feira se apresentaram no Instituto Goethe sejam reconhecidos como o que de melhor o Brasil produziu nestes últimos anos. Nenhum deles é excepcional na linha do que quer a indústria cultural; as pianistas Beatriz Roman e Délcia Pereira Coelho são muito competentes; o soprano Heloísa Castelar Petri é uma voz belíssima, mas acima de tudo uma musicista capaz e o saxofonista Roberto Sion dispensa elogios. Contudo, não estão na “parada de sucessos”.
Por aí, não mereceriam os “encômios” da crítica oficial. Mas por representarem um nível médio, (não medíocre que isso é outra coisa) como musicistas íntegros, têm um valor inigualável. Refiro-me ao aspecto também ético, porque é disso que se trata quando o assunto é música contemporânea. Compositores como H. J. Koellreuter, Wilhem Zobl, Gilberto Mendes, Sérgio Ortega ou Luca Lombardi não são conhecidos do grande público. Não disputam com aqueles que redundam em dividendos para os intérpretes comuns. Alguns são líricos numa espécie de nacionalismo transfigurado como o chileno Sérgio Ortega. Outros fazem da autenticidade da inspiração, (se é que se possa falar nisso) o único argumento que consideram irrefutável. E outros, enfim, reportam-se à “tradição” (?) da vanguarda, ou o que quer que se possa entender por tal em pleno 1983, como o italiano Lombardi e o austríaco Zobl. Mas têm um público restrito porque são pouco executados. Logo, seriam dispensáveis por musicistas que quisessem sucesso fácil. Não é o que fazem estes instrumentistas.
Só isso já justificaria os elogios. Humanismo é um fardo difícil de carregar. É bom saber que existem músicos que dispensam considerações de ordem mercadológica para cumprirem seus ofícios. Acontece que os instrumentistas que se apresentaram no Goethe se saíram muito bem em suas propostas. Não sei, a propósito, se a pianista Beatriz Roman repetiria a dinâmica com que iniciou a peça de Koellreuter. Achei-a algo desproporcional com as intenções da obra. A cantora Heloisa Castelar Petri nem sempre foi igual em seus graves e o saxofonista Roberto Sion poderia ter atuado com mais descontração. Ou seja, talvez pudessem fazer melhor. Mas todos, incluindo-se Delcia Pereira Coelho são grandes musicistas e atuaram com musicalidade superior. Aliás, tenho discutido com amigos músicos o atoleiro também cultural em que nos encontramos. Acho viável que ser palestino, por enquanto, é muito pior que ser brasileiro. Mas não entendo porque é que musicistas tão bons quanto estes, não atuam com mais frequência. Eles poderiam salvar a face de muito administrador cultural incompetente. Não seriam a solução – mas que ajudariam, disso não tenho dúvidas.