Músicos pedem modificações no Centro

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo”, em 26 de agosto de 1983)

 

Na próxima terça-feira, em horário ainda não determinado, alguns instrumentistas de câmara farão uma manifestação em frente à Secretaria Municipal de Cultura. Não se trata de qualquer ato político: instrumentistas de câmara são normalmente pacíficos.
Mas se o secretário de Cultura, Fábio Magalhães, não resolver alguns problemas do Centro Cultural – tais como a vedação acústica dos teatros e a contratação de pessoal burocrático para a liberação de papéis do ECAD e da censura – eles prometem ir “à guerra”.
Na ocasião será entregue ao secretário um abaixo-assinado. Nele, pianistas, violonistas e cantores, entre outros, fazem várias reivindicações. Reconhecem que a situação acútica dos teatros já era péssima antes da atual administração. Acontece que durante a antiga administração, os espetáculos não eram programados simultaneamente. Hoje o são. E vários recitais são interrompidos pelas frequentes interferências dos espetáculos de teatro.
Algumas reclamações dos músicos são insólitas. Há pouco o violonista Clemer Andreotti teve de interromper seu recital porque um funcionário do Centro Cultural estava ouvindo rádio de pilha na antessala do teatro Jardel Filho.
Com a cantora Martha Herr e ao violonista Everton Gloeden foi diferente: a interrupção de seu recital adveio do espetáculo de teatro que estava acontecendo na sala ao lado. Mas nem só nos recitais acontecem problemas: em alguns casos, os próprios ensaios saem prejudicados. Há uma oficina sob o palco do Teatro Jardel Filho e não é incomum a interrupção de um ensaio em que Mozart sai perdendo para as serras elétricas e os martelos. Mas não é rara, igualmente, a concorrência do pessoal de limpeza e seus aspiradores de pó.
Outro problema reclamado pelos artistas é a sistemática de contratação instaurada pela atual direção do Centro Cultural. Segundo os instrumentistas, existem duas formas de ocupar o teatro do Centro: com ou sem a exploração da bilheteria. Se o artista não cobrar nada (o Centro não está pagando cachês; alegadamente, por falta de verbas), cabe a ele ou a seu grupo percorrer os canais competentes que incluem o pagamento de taxas ao ECAD e à Censura (sabe-se que para o ECAD não existem obras de domínio público; Beethoven que morreu há mais de 100 anos ou Machaut que viveu no século 14 são tributáveis, conforme o método sui generis de arrecadação implantado no Brasil). Mas há o outro sistema: se o instrumentista abrir mão da bilheteria, o próprio Centro se encarrega da liberação do espetáculo.
“Nunca fiz este tipo de coisa na minha vida – diz a pianista Terão Chebl. É a primeira vez que o Estado ou o município exigem que o próprio artista resolva problemas burocráticos.”
Não é a única reclamação. Sabe-se que os espetadores não podem entrar no teatro nem mesmo durante o intervalo. A ordem expressa, no caso se haver bilheteria, é a de que os funcionários não deixem ninguém entrar sem ingresso. Como a bilheteria fecha após o início do espetáculo, quem não puder chegar no horário, está impedido de assistir o recital.
Claro, nem todos os problemas têm a ver com a atual administração. Os cameristas (que acham que poderão conseguir até 80 assinaturas para seu manisfesto) admitem que o projeto original do Centro foi todo retalhado. Atribuem a descaracterização do Centro Cultural inclusive a alguns erros fundamentais no projeto. Existe música ambiental em todo o centro. Não há músico que possa ler uma partitura no interior da discoteca pública: o som ambiental se sobrepõe ao resto.
Isto, se não for levado em conta um problema ainda mais simplório: para irem ao banheiro, os músicos são obrigados a fazer uma espécie de excursão até a sala de cinema do Centro. Se a isso for acrescentada a falta de estantes para partitura, e o banco quebrado do piano, os músicos acham que pior é impossível – já que o metrô também dá o ar de sua graça trepidando a sala de concertos. Por isso mesmo vão ao secretário Fábio Magalhães e dependendo das suas respostas, prometem ir à guerra.