Na cavalhada das Valquírias

Por Enio Squeff, Crítico da “Folha” (publicado na “Folha de S. Paulo” – Música/crítica – em 7 de dezembro de 1983)

 

ENCONTROS SINFÔNICOS DA PRIMAVERA – Festival Wagner. Programa: “Os Mestres Cantores (abertura), “Parsival” (abertura) e “Encantamento da Sexta-Feira Santa” (idem); “As Valquírias” (Cavalgada); “Prelúdio e Morte de Isolda”; “Viagem de Siegfried ao Reno” e “Música do Funeral”, do “Crepúsculo dos Deuses” e “Tannhauser” (abertura). Orquestra Sinfônica Estadual. Regente: Tulio Colacioppo. Teatro de Cultura Artística, dia 5.

 

Não sou filólogo nem etimologista, mas acho que posso contribuir para “as letras nacionais”, como se diz, sugerindo o emprego de uma nova palavra. Trata-se de megabéis. Como já existem os decibéis, penso que a única maneira de definir o volume de certos espetáculos de rock ou os finais de algumas obras regidas por certos regentes é exatamente por essa contagem em que a medida do ruído chega a mil. Faço a sugestão porque nesta semana a Estadual tocou Wagner: não foi bem – mas os finais puderam ser contados em megabéis.
O maestro Tulio Colacioppo regeu três aberturas – “Os Mestres Cantores de Nuerenberg”, que eu não ouvi; “Parsival”, “Tannhauser” além de trechos do “Crepúsculo”, do “Parsival e das “Valquírias”. Como disse, nem tudo foi bem: pela força com que foram soprados os metais e batida a percussão, na “Viagem de Siegfried ao Reno”, parece ter havido a intenção mais ou menos explícita de que o jovem herói wagneriano fizesse sua jornada submarina ao abrigo dos animais aquáticos. No caso, concedo que tenha havido uma relação direta com a ópera. Quanto ao “Parsifal”, porém, os megabéis do final talvez tenham uma outra explicação; como o personagem título é um pecador remido, não descuido da hipótese de um ato de caridade por parte da regência: o Teatro de Cultura Artística é asseadíssimo: mas em seu entorno existem muitos ratos. Não duvido que com o barulho tenham se posto em debandada geral. Já agora os ratos devem saber que em noite de Wagner podem se dirigir à ura Aurora; ou à Augusta, próximo da Paulista. Lá faz menos barulho.
Claro, não foi um concerto só de megabéis. Na abertura “Tannhauser” durante as passagens rapidíssimas dos violinos, enquanto os metais vão soando o tema dos peregrinos, a orquestra se divertiu à larga: não distingui bem todas as melodias executadas em uníssono e em conjunto, mas se meu ouvido não me enganou, entreouvi alguns trechos do “Parabéns a Você” tocado com muito sentimento por pelo menos uns dois violinistas e a saudosa, mas não menos conhecida “Mamãe eu Quero”, esta executada com a dramaticidade e o respeito requeridos para a ocasião.
Quanto ao mais, o público gostou muito, especialmente da “Cavalgada das Valquírias”. Esta obra, como se sabe, é muito voluntariosa; lembra senhoras com sutiãs de aço, montadas em fogosos corcéis guerreiros. Como eu também achei a interpretação muito interessante, ousei cometer os versinhos que se seguem, com os devidos pedidos de desculpas se meu estro de vate improvisado não agradar a todo mundo. É o seguinte: “Lá atrás daquele morro, passa boi, passa boiada/ também passa muita valquíria, devidamente apeada/ tocada por certo maestro/ da cavalgada da valquíria,/ restou uma cavalhada/ por sua vez avacalhada”.