Pela primeira vez no Brasil, o pianista Sequeira Costa

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo”, em 28 de abril de 1983)

O nome do pianista português Sequeira Costa, que toca hoje na USP com a orquestra da Universidade – num concerto a ser regido pelo maestro Camargo Guarnieri –, não é conhecido senão em círculos muito restritos. De seu currículo constam algumas viagens pela Europa e nenhuma pelo Brasil. Mas se a gênese de um pianista são seus professores e toda uma tradição, Sequeira Costa pode ser considerado um dos raros descendentes indiretos de Liszt. Seu professor, José Vianna da Mota, também português, foi aluno dileto de Liszt: Sequeira Costa considera isso fundamental para sua formação.
Por tão ilustre árvore genealógica, Sequeira Costa parece ter respondido à altura: criou, em Portugal, na década de 50, o concurso “Vianna da Mota”, em homenagem ao velho professor – um dos mais importantes da Europa – e que trouxe fama e um de seus vencedores, o brasileiro Nélson Freire. Ele não tornou Portugal conhecido apenas, através das atividades, que repetiram, em parte o sucesso do antigo professor. Por suas atuações, Sequeira Costa firmou um conceito que já o levou a Moscou como jurado do concurso Tchaicóvski e a Varsóvia, onde acabou votando, também como jurado, em Maurizio Pollini, quando o pianista italiano venceu o “Prêmio Chopin”. É uma carreira à qual o pianista português acrescenta uma atividade respeitável como instrumentista e professor. Dentre seus recitais e concertos programados para este ano, constam uma apresentação, em julho, com o clarinetista Karl Leister, titular da Filarmônica de Berlim. Não são títulos negligenciáveis.
Por estas e outras, porém, o que espanta neste pianista, são alguns de seus conceitos, os quais, segundo ele, seriam exatamente o fulcro da Escola de Liszt. Por exemplo: ao ser perguntado sobre os métodos de ensino de seu professor, Sequeira Costa não hesita em relembrar a precisão com que o ex-aluno de Liszt exprimia suas opiniões. Dependendo da interpretação, ao tocar o estudo opus 10, número 5, de Chopin, o aluno podia ser surpreendido com a exigência de que fosse mais “cintilantes”. Eram expressões que Viana da Mota usava para exprimir o que considerava mais importante a ser transmitido numa determinada peça. Mas para que o aluno chegasse a algumas obras, reportando-se a Liszt, Vianna da Mota também podia fazer recomendações absolutamente insólitas, tais como a de que o pianista lesse Goethe ou Guy de Maupassant. Foi por estes escritos que Sequeira Costa “iniciou-se”, respectivamente, em Beethoven e Schumann. Mas foi através de conselhos desta natureza que o pianista – que toca hoje “tema de quatro variações”, de Hindemith –, firmou alguns de seus mais arraigados conceitos sobre a arte de tocar piano.
“A cultura geral é fundamental a qualquer músico – diz Sequeira Costa. Para mim, não é possível tocar Beethoven sem ter um mínimo de conhecimento da época e da história do compositor.”
Ou seja, para Sequeira Costa, Mahler tinha toda a razão ao aconselhar seus alunos a “estudarem contraponto através da leitura de Dostoiévski.” Mas vem daí que muitas de suas ideias são, no mínimo, polêmicas. Sequeira Costa não teme dizer, por exemplo, que acha Horowitz, sob alguns aspectos lamentável; ou que muitos pianistas incensados por parte da crítica, (entre os quais ele inclui alguns brasileiros), sejam “muito ruins”, não obstante a fama e mesmo as críticas favoráveis no Exterior. Para Sequeira Costa, a distância entre um grande intérprete e um pianista medíocre, mas elogiado, seria a mesma que entre o homem culto e o professor famoso que compra sua notoriedade. Residiria nisso a diferença entre um Sviatoslav Richter e um Vladmir Horowitz. Porém, seria também o talento acima de qualquer circunstância a explicação para a existência de músicos excepcionais, ainda que não muito ilustrados, como o brasileiro Nélson Frerie. Lições que Liszt deu a seu aluno Vianna da Mota, e que por sua vez, Sequeira Costa procura transmitir a seus alunos. Mas principalmente a sua música? O pianista não titubeia em afirmar que sim. Mas temos que vê-lo também da teoria à prática no concerto de hoje, às 21 horas, e sábado, às 16 horas – ambos os concertos no Anfiteatro da USP.