Sinfônica, em uma impecável noite musical

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” – Música/crítica, em 30 de março de 1983)

 

Segunda-feira fez uma bonita noite em São Paulo. A raridade deve ter valido para o concerto da Estadual: foi a segunda apresentação da sinfônica este ano, e o teatro de Cultura Artística estava praticamente lotado. Fico na hipótese: se tivesse chovido, o público jovem não teria ido ao concerto; contudo, a orquestra, sob a regência do maestro Diogo Pacheco, tocou muito bem. A boa noite não parece ter rendido só para o público.

O programa não foi seguido à risca. Anunciou-se a pianista Maria Cloudes no concerto número 2, em Mi Maior, de J. S. Bach; em seu lugar, porém, tocou o pianista Giuliano Montini. Não conheço a pianista, e não posso dizer que a troca veio por bem. Mas o sr. Giuliano Montini é um músico extremamente correto: no uso discreto do pedal, apresentou uma versão quase austera do concerto de Bach – mas se saiu muito bem. Não houve falta alguma a lamentar.

Este, aliás, é o tipo de problema que não parece estar existindo na série dos “Encontros com J. S. Bach”: a Estadual está começando bem a temporada. É fácil debitar ao início de atividades um ou outro desacerto nos andamentos, ou algumas notas a menos no caminho por vezes tortuoso que J. S. Bach propõe a todos os instrumentistas. Mas a constatação se impõe.

Na segunda-feira, atuaram vários solistas da própria orquestra, o que é bom para todos. No concerto brandenburguês número 2, em Fá Maior, por exemplo, ouviram-se Gilberto Siqueira, trompete, Jean Noel Saghaard, flauta, Marcos Baerbero, oboé e Ayrton Pinto, violino, todos titulares de seus respectivos naipes. Saiu tudo mais ou menos bem. Pois ouviram-se talvez seja um pouco força de expressão: nunca consegui escutar neste brandenburguês o oboé, a flauta e o violino quando o trompete interfere. Arrisco a hipótese, algo perigosa, de que o fato se deve à orquestração de J. S. Bach. É possível. Seja como for, porém, o trompetista Gilberto Siqueira tocou com correção a sua parte e, quando não atuou, seus colegas puderam ser escutados e fizeram bonito. Fico na hipótese de que isso aconteça alhures e que a solução deve ser encontrada, quem sabe, na colocação do trompetista no palco.

Avento estas hipóteses porque esta parece é a única questão a ser examinada – as hipóteses. Na segunda-feira, o concerto foi encerrado com o flautista Jean Noel Saghaard na suíte número 2, em si menor: o público aplaudiu com entusiasmo a versão do titular das flautas na Estadual. Foi justo: o sr. Jean Noel Saghaard não tocou todas as notas, mas compensou um ou outro problema com muita musicalidade. Tudo teria saído muito bem, então, se as coisas terminassem aí – mas antes o violinista Carlos Zajdenbaun tocou o concerto número 2, em Mi Maior e deu-se mal, não obstante os aplausos do público. As hipóteses são muitas: a de que o violinista estava nervoso é a mais viável, pois seus colegas me garantem que é um excelente profissional. Não duvido; mas por isso mesmo levantar a possibilidade de que a lua fez bem para todo o mundo na noite de segunda-feira é, no mínimo, uma hipótese arriscada. Talvez uma próxima segunda-feira chuvosa e feia dirima as dúvidas.