Um quarteto de muito respeito

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo”, Música/Crítica, em 23 de julho de 1983)

 

Homenagem ao sesquicentenário de Brahms: Teatro de Cultura Artística, dia 19 de julho. José Carlos Cocarelli, piano, Bernardo Bessler, violino, Marie Christine Bessler, viola, Antônio Del Claro, violoncelo. Programa: “Quarteto em Dó Menor”, opus 60 e “Quarteto em Sol Menor”, opus 25.

É quase certo que a crise brasileira vai piorar ainda mais e a ninguém favorece uma conjuntura deste tipo. Mas em alguns aspectos vamos superando os problemas com vantagens. Na Municipal, os solistas estão sendo os instrumentistas da própria orquestra e, na série de substituição que foi obrigada a operar em sua programação, a Sociedade de Cultura Artística incluiu um quarteto de piano, viola, violino e violoncelo que não constava da sua série normal. Resultado: não vimos o Quarteto de Tóquio, como estava programado, mas a Cultura Artística pode amealhar entre seus feitos ter auxiliado na formação de um dos melhores conjuntos camerísticos já criados no Brasil nos últimos anos.
É uma vantagem da crise, sem dúvida, se as razões que obrigaram o pianista José Carlos Cocarelli a se juntar ao violoncelista Antônio del Claro, ao violinista Bernardo Bessler e à violinista Marie-Christine Bessler foram as mesmas da Sociedade de Cultura Artística. Temos aí um lucro que o governo não computa como seu, mas que é da música e do povo brasileiro como um todo.
Individualmente, com exceção da desconhecida Marie-Christine Bessler, são músicos muito bons, isso já se sabia. Há um ano, o pianista João Carlos Martins me ponderou que depois da sua geração os pianistas estavam escasseando no Brasil: não sei se isso é certo, mas o jovem José Carlos Cocarelli é, sem dúvida, uma exceção. Não foi o único que demonstrou musicalidade invulgar no recital do qual se ouviram o “Quarteto em Dó Menor”, opus 60, e o “Quarteto em Sol Menor”, opus 25, de Brahms. Dos quatro músicos, Cocarelli foi a maior revelação de camerista, é inegável: não conhecia a excelente violonista Marie-Christine Bessler, mas seu marido Bernardo Bessler já se contava entre os grandes violinistas brasileiros e Antônio Del Claro seria o fenômeno contrário, não fosse o violoncelista excepcional de sempre. Logo, se não tivesse revelado nada, o recital teria mostrado pelo menos um grande músico ainda jovem.
Mas não foi o único aspecto positivo do recital, como disse. A obra de Brahms é sempre difícil: na riqueza do contraponto, os timbres de seus conjuntos exigem sempre músicos com o domínio também das possíveis cores de seus instrumentos. E isto foi o que mais ressaltou do recital. Verdade que o violinista Bernardo Bessler poderia se conceder mais aos contrastes de dinâmica. Verdade também que na repetição do último movimento do opus 25, dado como extra, o grupo não foi tão perfeito. Mas estava compreensivelmente emocionado com os aplausos do pequeno público que o aplaudia de pé. Não poderia fazer diferente. Seria necessário repetir que se os frutos da crise brasileira forem estes, não iremos tão mal assim? Acho que não. Pois fica o fato: não ouvimos o Quarteto de Tóquio – um dos melhores do mundo. Mas ouvimos um quarteto brasileiro formado quase às pressas. Sem dúvida, uma das melhores coisas (se não a melhor) que o Brasil está oferecendo no momento.