Uma orquestra apenas sóbria

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo”, Música/Crítica, em 10 de junho de 1983)

 

Orquestra Filarmônica de Hamburgo – Programa: Georgy Legetti – “Atmosphare”, Mendelssohn: Sinfonia em Lá Maior, opus 90, “Italiana”; Sinfonia nº 3, “Eroica”, de Beethoven. Teatro Municipal, 8 de junho, às 21 horas.

Muitos dos grandes espetáculos de São Paulo talvez passem à História como bons exemplos dos equívocos de todos nós. Não há um único grande concerto em São Paulo que não conte com presença incômoda de fotógrafos em pleno espetáculo: com a Filarmônica de Hamburgo foi assim, como foi do mesmo modo com a clarinetista Sabine Meyer. Isto é, adivinho que não será diferente com a Sinfônica de Viena ou com outro conjunto de porte que se apresentar no Municipal. Parece haver um medo generalizado por parte dos promotores de concertos em São Paulo de que se o espetáculo não for registrado pelos fotógrafos e suas máquinas barulhentas, cessará a boa vontade de certos jornais com os seus patrocinadores.
É um equívoco. Mas a este se pode acrescentar o de que, não por casualidade, nos concertos mais caros o público é também o mais barulhento. Há quem diga que por selecionar o público, os altos preços dos ingressos determinam, por extensão, os ruídos da plateia. Não é, certamente, um equívoco a menos. Por estas e por outras, porém, nem sempre o que sobre é a música. Para o caso da Filarmônica de Hamburgo, felizmente a boa música se sobrepôs ao resto.
Como acentuei, trata-se de um conjunto correto, nem sempre isento de problemas. Não sei, por exemplo, da vida do flautista da orquestra, mas ele não estava num bom dia: errou pro duas vezes na mesma passagem da “Italiana”, de Mendelssohn, não foi muito bem na sinfonia de Beethoven e se estivéssemos falando de Primavera nestes dias de chuvas, diria que não foi a única andorinha que não fez verão. Salvo pelos fagotes, as madeiras do conjunto de um modo geral não me pareceram à altura de seus arcos. Mas estes também não foram irrepreensíveis. Um mau concerto?
De modo algum. O Ligetti (em “Atmosphare”) na versão do maestro Aldo Ceccato foi talvez o que de melhor a Filarmônica de Hamburgo ofereceu, e justamente pelo comedimento que se observou nas outras duas peças do programa. O sr. Aldo Ceccato é um intérprete extremamente sóbrio. Poderia aduzir que não é por ser italiano que está à frente de um conjunto com tantas tradições tipicamente alemãs; as coisas, no caso, parecem confundir-se numa espécie de simbiose. Um maestro amigo observou-me sobre o assunto que a acústica do Municipal anda desequilibrada. Como exemplo, citou seu lugar num dos camarotes. De lá, segundo ele, a orquestra soava apagada. Objetei-lhe que de onde eu me encontrava, exatamente num ponto oposto, a orquestra também não estava soando muito forte.
Quanto ao mais, porém, a orquestra apresentou bons momentos: nos difíceis staccati do último movimento da sinfonia de Mendelssohn, a Filarmônica de Hamburgo mostrou um virtuosismo admirável. Para um conjunto que chegou a ser excessivamente sóbrio e algo incoerente nos tempos da “Eroica” de Beethoven, não é pouco. Ocorreu-me, aliás, e ainda a propósito da Filarmônica, a apresentação de conjunto francês Andrée Colson que também esteve no Municipal há dias. Este grupo “igualmente não chegou a se distinguir pelo volume de sua sonoridade. Mas li que se tratava de uma orquestra com intenções nitidamente ecológicas. Ou seja, é possível que ao eliminar os fortíssimos de sua dinâmica, o conjunto estivesse protestando sub-repticiamente contra a poluição sonora. Não me parece que seja o caso da Filarmônica de Hamburgo – mas, neste caso, para que os fotógrafos com suas máquinas maravilhosas? Com a palavra o Mozarteum e o Municipal.