Faltam ensaios à Municipal

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo”, Música/Crítica, em 05 de julho de 1983)

 

Orquestra Sinfônica Brasileira – Dia 2 de julho. Teatro Municipal. Programa: Carlos Gomes: “Fosca” (abertura); Richard Wagner: Prelúdio e Morte de Isolda (“Tristão e Isolda”); “Tanhauser” (abertura); Tchaikovsky: Quinta Sinfonia. Regente: Isaac Karabtchevsky.

Observa Otto Maria Carpeaux na sua História da Literatura que um dos maiores escritores dinamarqueses nunca se profissionalizou; Carpeaux não explica o que entende por tal, mas aduz que por suas condições, o dito escritor estipulou hipóteses que profissional algum ousaria. É uma anotação correta. Há dias ouvi a Sinfônica Brasileira com o maestro Issac Karabtchevsky numa série patrocinada por empresas (a Crefisul e a Vasp). Um dia antes escutara a Municipal com o maestro Davi Machado. Ocorre-me a comparação em função destes parâmetros entre profissionais.
Do cotejo ficou o que talvez fosse previsível: a OSB é indiscutivelmente uma orquestra mais bem entrosada. Seus concertos são mais corretos. Não sei se existe melhor orquestra no País. São muitas as suas vantagens, mas o melhor talvez resida em seus arcos, bem mais homogêneos do que os do Municipal ou da Estadual. E nas madeiras, se não apresenta vantagens sensíveis em relação às duas outras orquestras de São Paulo, parece estar mais bem definida: Seus profissionais parecem ter como ponto de honra a afinação.
As referências aos ditos concertos são, contudo, parciais. A programação que a OSB levou – a “Quinta” de Tchaikovsky (e não a “Quarta”, como constava do programa), as aberturas “Tanhauser”, de Wagner, mais a “Fosca”, de Carlos Gomes, além do Prelúdio e “Morte de Isolda”, do “Tristão e Isolda” de Wagner –, são peças que a orquestra está levando pelo País. Não foi o caso da Municipal, que teve de ensaiar uma semana o “Concerto nº 2”, de Camargo Guarnieri, a abertura “Festival Acadêmico”, de Brahms – por sinal, o ponto fraco do concerto – e a “Sinfonia nº 5”, de Prokofieff –. Ou seja, enquanto a Brasileira lidou com o que conhece, a Municipal foi para o que era inédito na semana. Acompanhou muito bem a excelente execução da pianista Eudóxia de Barros no concerto do maestro Guarnieri; e foi até extraordinária em alguns momentos da “Quinta”, de Prokofieff; mas foi confusa na obra de Brahms. Não se pode concluir, porém, que se tocasse o que conhecesse se sairia melhor. É aqui que entra o profissionalismo.
De músicos profissionais se deveria exigir que tocassem 90% do que consta do repertório orquestral contemporâneo. Nem sempre é assim. Mas não só por culpa dos instrumentistas. Não tenho informações, por exemplo, sobre o tempo que a Municipal despendeu para ensaiar “O Festival”, de Brahms – mas não deve ter sido mais que uma vez. Acontece que, na semana retrasada, o flautista Antônio Carrasqueira estreou com o concerto de Jacques Ibert, depois de ensaiar uma única vez com a Municipal. Pouco a acrescentar, portanto.
Mesmo porque existem outros aspectos. Há dias, por exemplo, o pianista Arthur Moreira Lima, meu particular amigo, referiu-se à violinista Elisa Fukuda de forma desairosa. Se fosse uma má instrumentista, mesmo assim sua observação mereceria reparos. Mas não é; muito antes pelo contrário. Preciso acrescentar que profissionalismo subentende também posições éticas? Creio que não. Mas deixo o assunto em aberto. Pois não me considero ao abrigo desta e de outras considerações.