“Werther” no Municipal, sem nenhuma criatividade

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo”, Música/crítica, em 06 de setembro de 1983)

 

“WERTHER”, de Massenet; Teatro Municipal de São Paulo. Elenco: Werther: Eduardo Alvares; Albert: Andrea Ramus; Le Baille: Wilson Carrara; Charlote: Graciela Araya Altamirano; Sophie: Anie Lacour; coral infantil “Gomes Cardim”; diretor musical: Tulio Colacioppo; diretor de cena: Fernando Peixoto; cenários: Carlos Jachieri.

Dizia-me há pouco um político do primeiro escalão do governo que o que falta no Brasil atual é criatividade. Não sei se é assim com países onde se comem cobras e lagartos – mas se o problema da criatividade preocupa os políticos, talvez não seja impróprio identificar estes problemas na área artística. Na primeira ópera encenada este ano pelo Municipal, isto é notável: “Werther”, do francês Jules Massenet, não é uma ópera inovadora. Pelo que tem de tradicional, porém, exigiria a contrafação numa encenação revolucionária; não é o que se vê.
É um aspecto aparentemente menor da montagem paulista de “Werther”. Do lado da música, por exemplo, as coisas poderiam ser bem piores. De fato, o tenor Eduardo Alvares com seu timbre metálico parece se ressentir de uma delicadeza que se supõe no personagem título, mas não compromete; quanto à sempre correta Graciala Arayo Altamirano, talvez se pudesse deplorar o pouco volume de sua voz em comparação com a força que o maestro Tulio Colacioppo imprime à orquestra. São deficiências audíveis que não atrapalham no todo: sob o ponto de vista musical, não se verificam os desastres que foram algumas encenações no ano passado (lembro “Colombo”, apenas para registrar). Cantores secundários como Anie Lacour ou mesmo Wilson Carrara e Andréa Ramus, com indiscutível vantagem para a primeira, parecem ter melhorado muito em relação com o que fizeram até aqui. Estão mais firmes. Sugerem que estamos formando um elenco secundário razoável. Mas a propósito da encenação, não pude deixar de me remeter às festinhas de colégio de freiras com seus desastrosos cenários de papelão e seus atores improvisados. Há um momento, na última cena, em que “Werther”, já com uma bala mortal no corpo, se levanta lépido como se a presença de sua bela companheira lhe fosse a ressurreição. A sra. Graciela Araya, como Charlote, de fato, está muito bonita. Seria até compreensível o entusiasmo de “Werther” da história por ela; e não duvido que por razões compreensíveis tentasse postergar sua condição de moribundo perante a declaração de amor de Charlote. Mas tudo soa falso e se fica desejando, sinceramente, que, no final, ao invés de morrer nos braços da amada, “Werther” emborque sobre os cenários.
Em suma, não duvido do talento dos responsáveis pela encenação. O sr. Fernando Peixoto já mostrou que é um dos maiores diretores de teatro deste país. E o sr. Carlos Jacchieri, autor do cenário, acho que fez o que lhe pediram. Ocorre que ou a ópera se renova – e só neste caso se explica a sua ressurreição – ou o suicídio de “Werther” será o mote para a sua própria extinção. O sr. Altman, atual diretor do Municipal, me parece, no mínimo, um homem bem intencionado. E como estamos no começo, ficam as expectativas.