Oneyda Alvarenga morre completamente esquecida

Por Enio Squeff, Crítico da “Folha” (publicado na “Folha de S. Paulo” – em 24 de fevereiro de 1984)

 

Morreu ontem em São Paulo, aos 73 anos, a musicóloga e folclorista Oneyda Alvarenga, uma das mais importantes colaboradoras de Mário de Andrade na década de 40. Oneyda Alvarenga foi durante anos diretora da Discoteca Pública Municipal; deixou vários ensaios sobre música brasileira e folclore. Estava internada com câncer ósseo na enfermaria de indigentes do Hospital Sírio-Libanês.
Oneyda Alvarenga deixou uma das grandes obras musicológicas brasileiras deste século. Seus estudos sobre o folclore acompanharam “pari-passu” os ideais que Mário de Andrade projetou para a música brasileira. Por essas e outras, não era muito festejada. Há pouco menos de um ano, por exemplo, quando se constatou que estava doente, uma jovem que se dedica aos estudos sobre Mário e Andrade tentou junto à Secretaria Municipal de Cultura uma forma de auxílio para que os últimos dias da musicóloga não fossem tão degradantes. Como amiga e colaboradora de Mário de Andrade, Oneyda Alvarenga tinha muitos documentos preciosos sobre o escritor. Chegou inclusive a escrever um livro (“Mário de Andrade, Um Pouco”) em que publicava parte de sua correspondência com Mário de Andrade. Era, portanto, uma espécie de patrimônio. Ocorre que o secretário municipal de Cultura de então não sabia de quem se tratava. E tudo ficou como antes.
Ao seu enterro, talvez, agora, se sigam as homenagens previsíveis. Como ex diretora da Discoteca Pública Municipal, Oneyda Alvarenga quem sabe mereça um retrato ou seu nome no Centro Cultural. Haverá quem se lembre desta homenagem póstuma. Oneyda Alvarenga era muito conhecida no Exterior. Impossível estudar a música brasileira da primeira metade do século sem um exame no que escreveu. Foi uma grande figura portanto, e o maestro Olivier Toni lembrava ontem, emocionado, que Mozart também morreu no abandono. O referencial pode parecer exagerado; mas deixa claro que no Brasil não são só os nordestinos anônimos que morrem na miséria e na indiferença. Os que fazem a cultura brasileira também. Estamos democratizando a miséria e o pouco caso. A circunstância da morte de Oneyda Alvarenga é apenas uma das provas disso.