Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” – Música/crítica – em 08 de outubro de 1983)
ORQUESTRA SINFÔNICA DE VIENA – Programa: Passacaglia op. 1, de Anton Webern; concerto nº1, para piano e orquestra, op. 23, em si bemol Maior, de Tchaikovsky. Solista: Viktoria Postnikowa. Sinfonia nº 7, em Lá Maior, de Beethoven. Regente: Gennadi Roschdestwenski.
Beethoven dizia que os austríacos só fariam a revolução no dia em que lhes faltasse salsicha. Pode-se tirar várias conclusões desta opinião. A mais evidente, parece-me, é a de que já no tempo de Beethoven os austríacos tinham como viver; e não apenas de salsichas. A Sinfônica de Viena que se apresentou anteontem pelo Mozarteum num concerto exclusivo do grupo Votorantim e que toca hoje pela última vez no Municipal – não é do tempo de Beethoven. Mas por não ser a primeira orquestra austríaca, nem por isso deveria deixar de constar entre as grandes do Ocidente.
Falo como primeira impressão de um único concerto. Nas excursões, as orquestras sempre garantem seu repertório. Sob este aspecto, poderia até registrar que nem sempre o conjunto acompanhou com precisão milimétrica a pianista Viktoria Postnikowa no concerto em Si bemol Maior, de Tchaikovsky. A sra. Viktoria Postnikowa é simplesmente fenomenal. Faz oitavas a uma velocidade vertiginosa (como se estivesse dedilhando uma escala de Dó Maior); e nas dinâmicas, sempre com virtuosismo, obtém a dinâmica que bem entende. Poderia ter sido acompanhada com precisão absoluta. Não o foi. Faço a observação, porém, exatamente porque a Sinfônica de Viena, sob a direção do soviético Gennadi Roschdestwenski, sugere parâmetros quase absolutos.
Em alguns casos a orquestra surpreendeu: no primeiro movimento da sétima de Beethoven, por exemplo, o andamento imprimido pelo maestro Roschdestwenski é mais lento do que todas as versões que já escutei. Em compensação, escutam-se também as quatro semicolcheias do quarto tempo do nono compasso – fato mais ou menos inédito nas nossas paragens.
Claro, trata-se de um grande conjunto. O mínimo que se poderia exigir é que tocasse as notas da partitura. Mas por isso importa o que se ouviu para além do texto escrito. Ora, sob esse aspecto, o extra dado pela orquestra (abertura “Rosamunda”, de Schubert, concedida só depois de insistentes apelos do público) foi o que talvez de mais bonito se poderia esperar. Está longe de ser uma peça virtuosística. É sempre incluída nas apresentações de conjuntos juvenis. Por isso mesmo, porém, o que a orquestra fez, foi rigorosamente uma maravilha. Ou seja, difícil manter qualquer sobriedade.
Com todas essas, porém, volto às salsichas de Beethoven. Difícil não transmudar o juízo de Beethoven para a nossa realidade. Se salsichas e empregos são metaforicamente a mesma coisa, os vienenses chegam ao Brasil num momento limite. Em suma: nosso Beethoven não é tão bom. Mas as salsichas já quase não temos. Que Deus (ou a história) tenha piedade.