Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” em 05 de outubro de 1983).
ORQUESTRA SINFÔNICA ESTADUAL – Webern: Seis peças para orquestra opus 6. Alban Berg: três excertos da ópera “Wozzeck”, para soprano; solista: Maria Lucia Godoi, regente: Eleazar de Carvalho. Schoenberg: concerto para piano e orquestra, opus 42: solista: Caio Pagano, regente Oswaldo Colarusso. Dia 3, no Teatro de Cultura Artística.
A coincidência entre a crise brasileira e a execução de músicas da “Segunda” Escola de Viena – que lembra o desfecho da República de Weimar, na Alemanha – poderia ensejar algumas reflexões e paralelismos pessimistas. A melhor música que se fazia na Alemanha pré-nazista previu o pior. Difícil não se pensar na mesma conjuntura quando pairam tantas ameaças sobre o Brasil. Ocorre que Schoenberg, Alban Berg e Webern foram também líricos e intimistas. Entre as ilações possíveis, fico apenas com o magnífico concerto com que a Estadual abriu a série de execuções destes compositores na semana.
Sabe-se que Alban Berg, Schoenberg e Webern serão ainda tocados outras vezes. Hoje, pelo pianista Caio Pagano, no Instituto Goethe. Amanhã, pela Sinfônica de Viena, no Municipal. Estou com a barba de molho. Por pura paranoia, certamente. Cheguei, aliás, a desconfiar de que fosse ela (a paranoia) a responsável pela emoção que senti ao ouvir as 6 peças opus 6, de Webern. E, mais que tudo, os três excertos da ópera de Wozzeck, executadas pela Estadual sob a direção do maestro Eleazar de Carvalho aos quais foi acrescentado o concerto para piano e orquestra, de Schoenberg, com Caio Pagano como solista e Oswaldo Colarusso como regente. Na execução dos trechos de “Wozzeck”, estava preparado para ouvir a quase sempre grande Maria Lucia Godoi. E, de fato, não pude deixar de imaginar a possibilidade de vê-la um dia como “Marie”, numa apresentação ideal de Wozzeck. Mas a maior surpresa ficou reservada mesmo ao desempenho da orquestra. Não falaria em perfeição técnica. O conjunto algumas vezes encobriu a voz da cantora. Mas existem momentos em que a música é emoção, é o inverso da possibilidade de discurso racional. E tivemos segunda-feira um dos grandes momentos da Estadual em vários anos.
Faço restrições à segunda parte exatamente neste nível. A orquestra também não esteve prefeita. Em alguns momentos a viola e o oboé lembraram menos a música dodecafônica do que o micro tonalismo. Tudo estaria bem, contudo, se sobrasse mais emoção. Não foi, porém, o que predominou. Louve-se, em tempo, a segurança do solista e do regente. Mas são músicos competentes. Bobagem não lhes exigir mais.
De qualquer modo, um belo concerto. Vamos esperar que o resto da semana repita a grande música de Weimar e de Viena.