Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” – Ópera/crítica – em 26 de novembro de 1983)
LA VIDA BREVE – intérpretes: Martha Baschi, Antonio Lotti, Lenice Prioli, Graciela A. Altamirano, José Dainese, Wilson Carrara e otros.
CARMINA BURANA – intérpretes: Niza de Castro Tanka, Hector Pace, Carlos Vial. Coro, orquestra e corpo de baile do Municipal. Direção de cena: Silnei Siqueira. Figurinos e cenários: Gianni Rato. Direção musical: Tulio Colacoppo. Coreografia de Paula Martins (La Vida Breve) e Renato Magalhães (Carmina Burana). Teatro Municipal, até 1º de dezembro.
O compositor Caetano Veloso disse há dias num programa de televisão que Villa-Lobos não lhe “fazia a cabeça”. O sr. Caetano Veloso é uma espécie de oráculo. Tudo o que diz, por mais evidente que seja (e alguém já observou que os oráculos só dizem obviedades) encontra ampla repercussão e adeptos no país. Portanto, não duvido qual o destino de Villa-Lobos para os próximos anos. Mas a questão não é só Villa-Lobos e Caetano. Seria interessante ouvir dos que fazem ópera no Brasil o que pensam da própria.
Faço a formulação porque tenho sinceras dúvidas quanto ao gosto dos que realizaram “A Vida Breve”, de Manuel de Falla e “Carmina Burana”, de Carl Orff, espetáculos que encerram a temporada lírica deste ano no Municipal. Os dois espetáculos não são piores do que se poderia imaginar (para o ruim e para o ótimo não há limites). A música de Orff, quando executada a tempo pela orquestra e coro pode ser agradável. Só que definí-la nos termos em que esta cantata foi encenada, demanda mais que imaginação. Há um coro estático no palco e vêem-se bailarinos a interpretarem o que seriam os momentos da “fortuna”, o “amor” e outras sugestões do texto da obra. De repente, porém, surgem personagens presumivelmente vestidos de padeiros que distribuem flores (?) a crianças. Então as coisas se embaralham. Claro, salvam-se alguns solistas como Hector Pace e Niza de Castro Tank. No resto, porém, (e sem ofensas), fico a presumir até onde vai a capacidade de se incrementarem bobagens.
Isso quanto a “Carmina Burana”. Quanto à belíssima ópera de Manuel de Falla, estanco na busca de “palavras” para definí-la. Talvez fosse injusto com os cantores e com a orquestra se dissesse que todos estão sofríveis (inútil desconsiderar que a música dos compositores não se impõe algumas vezes). Mas às pessoas que forem assistir ao espetáculo, me permito certas perguntas. Algumas são curiosidades meramente pessoais: gostaria que me dissessem se nas próximas récitas os bailarinos ainda batem palmas em cânone e se o coral do Teatro precisa ir aos jogos do Corinthians para aprender a dizer “olé” em conjunto e a tempo. Outra curiosidade que tenho é saber se a pausa de quase meio minuto que interrompeu o ato final da estreia persiste ainda (pode ser uma interferência do “silêncio” no drama espanhol; e então terei de reformular alguns conceitos).
No mais, fico na expectativa de que o cenário e particularmente a coreografia sejam aproveitadas para as festas de formatura de primeiro grau nos colégios do interior no próximo mês de dezembro. Seria uma forma de ressarcir a prefeitura dos eventuais prejuízos. Verdade que a isso aduziria a questão inicial; isto é, se o Municipal é a favor ou contra a ópera em São Paulo. Mas ando meio envergonhado por defender há anos a música de concerto e a ópera. Numa dessas, os responsáveis pelo que se fez este ano na ópera oficial de São Paulo, irão responder que gostaram sinceramente do que aconteceu. Neste caso terei de dar razão a Caetano Veloso e a todos os oráculos que acham que a grande música e a ópera “já eram”.