Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” – Música/crítica – em 17 de novembro de 1983)
ENCONTROS SINFÔNICOS DA PRIMAVERA – Orquestra Sinfônica Estadual, sob a regência de Davi Machado. Solistas, Helena R. Silva e Carmo Barbosa. “Requiem Alemão, Op. 81”, de Brahms e “Variações sobre um Tema de Haydn, opus 56”. Teatro Cultura Artística, dia 14, às 21h.
Há quem discuta a religiosidade do “Requiem” de Brahms: por tê-lo composto à base de uma justificativa razoável – a morte de sua mãe, e por tê-lo concebido a partir dos textos de Lutero, o compositor teria sido mais religioso do que dramático. É discutível; mas o drama da morte não é um protagonista a menos em Brahms. E regentes como Davi Machado que revelam o “Requiem” na sua feição de “obra burguesa” parecem estar muito mais acertados dos que o concebem como uma obra religiosa.
Arrisco o palpite porque neste ano ouviram-se duas versões do “Requiem”: uma delas foi a de Oswaldo Colarusso com a Municipal, há alguns meses; a outra foi de Davi Machado, com a Estadual, há dois dias. Não é o caso de se compararem os conjuntos. Do lado municipal, o maestro Colarusso contou com a participação de um coro profissional; para a apresentação da Estadual recorreu-se a um coro amador. As diferenças começam por aí. Mas com vantagens para o maestro Davi Machado. E mais pelo que concebeu do que pelo que contou como material humano. Sem dúvida, a Estadual parece estar bem mais sólida que a Municipal. Por outro lado, os solistas Helena R. Silva e Carmo Barbosa são cantoras de formação indiscutivelmente sólida. No todo, porém, as diferenças ficaram mesmo para a concepção dos dois regentes.
Por sua idade e experiência, o sr. Davi Machado não parece ter se iludido quanto às exigências da obra, que vão da absoluta compreensão do intrincado da polifonia, ao controle da dinâmica e dos ritmos numa visão precisa, exatamente da precedência do dramático sobre o resto. Ora não é um fator menor. Fazer do “Requiem” uma obra religiosa como o seriam as cantatas de J. S. Bach pode induzir à ideia de que se trata de uma obra à parte no acervo de Brahms. E não é assim.
Claro, a discussão vai longe. Mas ao pensar na dramaticidade do “Requiem Alemão” deve o intérprete colocá-lo na dinâmica da música, independentemente dos conceitos adotados (que são importantes – mas que não modificam o caráter “brahmsiando” da obra). Adolfo Salazar anota, a propósito, que as óperas de Wagner se impõem a despeito de seus textos. Mutatis mutandis, parece acontecer o mesmo com o “Requiem”. E se a versão do maestro Davi Machado é o que de melhor se ouviu em São Paulo este ano, o fato se deve a seus solistas (principalmente a Carmo Barbosa, um cantor excepcional); não tem muito a ver com a heterogeneidade do coro, e se deve também em grande parte à correção da Osesp; mas tem tudo a ver com o fato de que o maestro Davi Machado conhece muito em a obra sinfônica de Brahms.