Uma orquestra à procura do êxito

Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo” em 13 de julho de 1978)

 

A Orquestra Sinfônica de Campinas divide opiniões. Para uns, é uma orquestra amadora que batalha por um lugar ao sol. Para outros, é um conjunto profissional com um nível ainda amadorístico. Os rótulos, no caso, não parecem dizer muita coisa. O conjunto existe, reúne alguns dos mais jovens musicistas do País e só isso já é importante. A prova são seus concertos como o de domingo último, quando o conjunto voltou a desmentir seus detratores – alguns vereadores de Campinas que querem a dissolução do conjunto – e quando reafirmou tudo o que dela se sabe: continua a se preparar para ser – quem sabe – um dos grandes conjuntos do País.

Em sua apresentação, realizada no Teatro de Cultura Artística, a orquestra não executou um programa simples. Na primeira parte tocou uma longuíssima sinfonia do paulista Teodoro Nogueira; a seguir, interpretou o famoso concerto em lá Maior para clarinete, de W. A. Mozart, concluindo com a sinfonia número 5, de Schubert. Sobre a sinfonia de Teodoro Nogueira, muito pouco a declarar. As bobagens ditas em torno das primeiras audições não autorizam muitas considerações; nada além do “gostei” e do “não gostei”; ou seja, exige algumas explicações especiais. Quanto ao resto, impõe-se, em princípio, algumas considerações imediatas.

A primeira diz respeito ao jovem clarinetista Roberto Pires – titular do seu instrumento na orquestra. Embora no primeiro movimento do concerto tivesse assustado um pouco – a orquestra estava com afinação um pouco mais baixa – seu desempenho agradou e o executante deu motivos para tanto. Possui um staccato muito bom, é afinado e tem uma cor aveludada não muito encontradiça nos instrumentos de sopro. É um talento nato que, a rigor, prescinde do que já tem – uma técnica mecânica acima da média – e promete o que ainda terá de buscar – um amadurecimento do fraseado e da articulação. O concerto de Mozart – uma surpreendente incursão ao instrumento quando este ainda não possuía os recursos mecânicos modernos – é uma peça fundamental no repertório clarinetístico. Permite uma avaliação da igualdade dos timbres, nos vários registros do instrumento, testando o instrumentista precisamente naquilo que é fundamental em Mozart – uma transparência ilimitada que transforma em grosserias a mais tênue imprecisão. E se Roberto Pires saiu-se bem – está dito muito. Quanto mais não seja, que teve a acompanhá-lo uma regência segura e entusiástica do maestro convidado Henrique Gregori.

A atuação do jovem instrumentista (não tem mais que 22 anos, dizem) foi o melhor da récita da Sinfônica de Campinas, pois na sinfonia número 5 de Schubert, o desequilíbrio do conjunto ficou evidente. Como sempre, a Sinfônica de Campinas mostrou um naipe de cordas (os primeiros violinos, principalmente) bastante razoável; mas não se saiu muito bem nas madeiras. Problemas de afinação nos oboés e na flauta de timbre, nos fagotes e de intensidade em todo o mundo, deixaram em aberto o dilema: profissional ou amador? O fato a rigor não importa, desde que conscientizado. É um problema menor diante do que o conjunto pode fazer.

E, por fim, uma palavra sobre a sinfonia de Teodoro Nogueira. Conta-se que um crítico referindo-se certa vez a uma obra de Rimski Korsakov afirmou que o nome do compositor lembrava um sujeito “barbudo fedendo a vodca”. Se ofendesse sua família, talvez conseguisse melhor objetivo. O caso é, porém, que não disse nada. Minha opinião sobre Teodoro Nogueira limita-se exatamente a uma primeira audição. Se tivesse de resumi-la ao “gostei” e “não gostei”, como disse no princípio, talvez inventasse uma barba para o sr. Teodoro Nogueira. Como a avaliação de uma peça exige bem mais do que a posição subjetiva – fica a desconfiança – apenas isso – de que a obra não acrescenta nada, ou muito pouco ao que se conhece sobre a escola nacionalista.  No mais, precisaria de uma audição mais atenta, com o que, fica apenas o registro.