Por Enio Squeff (publicado na “Folha de S. Paulo”, Música/Crítica, em 01 de junho de 1983)
Teatro Municipal: Dia 27 de maio, às 21 horas. Programa – Ludwig Van Beethoven – Abertura “Egmont” opus 84; W. A. Mozart: concerto em Lá Maior, K. 622, para clarineta e orquestra; solista: Sabine Meyer; Carlos Gomes: abertura da ópera “Fosca”; Rimsky Korsakov: “A Grande Páscoa Russa”, opus 36; regente: Isaac Karabtchevsky.
Anos atrás, ao comentar a estreia de uma jovem regente, um crítico londrino teve o mau gosto de concluir que ela se sairia melhor se tivesse atuado nua. Não sei qual a reação da jovem, mas a lembrança me veio a propósito da apresentação da jovem clarinetista Sabine Meyer com a Sinfônica Municipal. Segundo as agências internacionais, o maestro Herbert von Karajan teria brigado com a Filarmônica de Berlim também por querer que a jovem tocasse na orquestra por ser bonita. Não foi uma má ideia do velho maestro; mas a srta. Sabine Meyer sugere muito mais do que sua beleza.
Ou seja, do maestro Karajan já se disse ter apoiado Hitler. Parece-me injusto imputar-lhe, agora, mais esse pecado. Em sua idade, a luxúria talvez seja uma mera lembrança e a srta. Meyer, se não é uma mulher muito bonita, é a mais extraordinária clarinetista que vi em minha vida. Poderia aduzir que “modéstia à parte” eu e o maestro Von Karajan pensamos da mesma maneira. Digo-o, porque não é uma ideia da qual todos compartilham. Amigos da Municipal, sem desmerecer a solista, consideraram-na aquém da expectativa. Não entendi bem suas razões. Seu staccato é perfeito; sua respiração e sua afinação, idem. Se sua musicalidade não fosse excepcional, estaria com estes músicos da Sinfônica Municipal (e com os da Filarmônica de Berlim; eles também consideraram exagerado o entusiasmo do sr. Karajan). Logo, tenho razões para discordar. Mas seria o caso de discuti-la?
Evidentemente, não. Sabine Meyer prescinde da minha opinião e dos seus colegas daqui de São Paulo. Não que sua apresentação tenha sido perfeita. Ao tocar o concerto K. 622, correu um pouco nos andamentos e não foi acompanhada como seria desejável pela orquestra regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky. Mas ponho o problema no condicional e não apenas por achar que o maestro não estava em seus melhores dias, mas porque às “cadências” da solista preferiria as pausas mesmo. Sinceramente, achei-as prescindíveis. Em síntese, não haveria muito mais a comentar, fossem outras as condições de sua apresentação.
Ocorre que se registraram alguns problemas. Não sei qual o papel do jornal “O Globo” na apresentação desta solista, trazida pela empresária Miriam Dauelsberg. Sei que o jornal apoiou sua vinda e que distribuiu convites a muitas pessoas. Por estas e por outras, nem todos que queriam vê-la tiveram condições de entrar no teatro. O Municipal não estava superlotado, como seria desejável.
Ora, não foi o único senão. Disse que vi uma das maiores musicistas da minha vida. Faço a observação quanto ao visual, porque nem sempre pude ouvi-la. Por obra e graça desses compromissos contratuais dos quais se sabe pouco, no primeiro movimento do concerto em Lá Maior, a solista foi acompanhada não apenas pela orquestra, mas pela máquina de um fotógrafo que me disseram ser um colega de “O Globo”. E não é por estar de acordo com o maestro Herbert von Karajan (que certamente me ignorará até o fim dos seus dias) que sou obrigado a pagar tributos a colegas que sequer cumprem sua obrigação numa hora apropriada e ao ritmo de Mozart. Mas foi um belo concerto; inútil não agradecer ao maestro Karajan por seu bom gosto em todos os sentidos. (No caso, evidentemente…).