Por Enio Squeff, Crítico da “Folha” (publicado na “Folha de S. Paulo” – em 16 de março de 1984)
QUADRO CERVANTES. Programa: M. Corrette: Jean Philipe Rameau; Couperin. Intérpretes: Helder Parente, Myrna Herzog, Rosana Lanzelotte, Clarice Szajnbrum. Promoção: Mozarteum Brasileiro. Museu de Arte de São Paulo, dia 14 às 12h30.
Embora a temporada de concertos tenha começado há três semanas, talvez seja oportuno saudar o recital com que o Mozarteum abriu sua série do meio dia no Masp, como uma espécie de abertura do ano musical. O conjunto “Quadro Cervantes”, de música antiga, está entre o que de melhor já se fez no gênero no Brasil. Como a série do Mozarteum está aberta ao público num horário até bem pouco considerado inexequível, só o sucesso da promoção já justificaria a ideia de que a música de concerto começou bem o ano.
Há um público bem determinado para o que se convencionou denominar “música antiga”, nome genérico que nem sempre chega até o barroco. Não é uma generalização que afete o “Quadro Cervantes”. Em sua apresentação no Masp esta semana, o conjunto tocou algumas peças de Rameau, Couperin e Correte – todos barrocos – com um cuidado elogiável. Ao contrário de outros grupos que se formaram nos últimos anos, o “Quadro Cervantes” não é amadorístico. Por mais que se façam alguns reparos à cravista do conjunto, no sentido de que nem sempre toca a tempo alguns ornamentos de Rameau ou que se deseje um maior volume na flauta transversa do professor Helder Parente, um fato é inegável: manipulando a grande multiplicidade de instrumentos antigos, o “Quadro Cervantes” apresenta rendimento acima da média dos conjuntos congêneres brasileiros.
O mesmo pode ser dito em relação às vozes: do baixo ao soprano, o que fica é o equilíbrio, a afinação e o bom gosto. Nada de grandes emoções, é verdade: talvez pelo hábito de buscar um sempre desejável equilíbrio, o “Quadro Cervantes” é sóbrio, um pouco além da conta. Mas concedo também que talvez exista um certo preconceito de minha parte: a música ocidental, da polífona de ars nova do século 14 à música do século 18, possui um “pathos” que talvez se tenha perdido no tempo e eu não sei se é recuperável por mais que os musicólogos tentem certos resgates. Seja como for, o problema não parece ser somente do “Quadro Cervantes”. São poucos os intérpretes de J. S. Bach ou de Rameau que conseguem uma leitura não mecânica destes compositores. Suponho que este seja o “x do problema”.
De qualquer modo, o primeiro concerto que o Mozarteum apresentou na sua série do Meio Dia foi muito aplaudido. E a proposta do “Quadro Cervantes”, por mais que se busquem restrições, são meros exercícios diante do fato de que se trata de um conjunto sério e profissional. A propósito, não entendi algumas alterações de cor feitas conscientemente pela flautista em algumas peças de Rameau: aproximaram-se da desafinação – mas admito que seja do estilo e que eu tenha ouvido ou demais ou de menos.